[FEMININO] Potência no início do século, futebol feminino do Novo Mundo fez história em 2009
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FOTO: Reprodução / Portal Eu Curto Futebol Feminino |
A
palavra auge é curta na hora de escrever, mas tem um significado forte, que
pode ser dois lados de uma mesma moeda. Originada do termo árabe “awdj”,
representa o “ponto mais extremo do céu”, o grande objetivo alcançado através
de uma caminhada árdua, mas que dali pra frente passa a ser uma curva negativa.
O apito final da partida entre Novo Mundo e Santos no dia 12 de novembro de
2009 foi o auge de uma história que foi poderosa nos anos 00, mas que hoje está
nas páginas amareladas pelo tempo.
#ESPECIAL
Porém, para se chegar ao
auge, é preciso ter um ponto de partida. Fundado em 1930 e consolidado como um
clube tradicional no cenário da Suburbana, o Novo Mundo começou a desenvolver
uma categoria feminina em 2000, disputando o primeiro campeonato oficial no ano
seguinte, o Torneio Metropolitano. “O interesse partiu de um grupo de diretores
da época, que enxergaram a oportunidade de agregar as mulheres ao esporte, afastando
de vícios comuns em nossa sociedade. Na época todo o investimento saía dos
bolsos de diretores e simpatizantes” relembra o presidente do clube, Moacir
Ribas Czeck, conhecido como Mazza.
Mesmo não sendo um clube
profissional, que oferecia as jogadoras um salário fixo e todos os benefícios,
o Alvirrubro rapidamente se tornou hegemônico no futebol feminino do estado,
vencendo todos os Campeonatos Metropolitanos entre 2001 e 2011 e faturando
quatro títulos estaduais (2002, 2003, 2004 e 2008). O desenvolvimento do time
curitibano ocorreu na mesma época que a seleção brasileira começou a ter bons
resultados em competições internacionais, como a medalha de prata nas
Olimpíadas de Atenas em 2004, o Ouro no Pan-Americano do Rio e o segundo lugar
na Copa do Mundo da China, ambas em 2007. Essas marcas foram fundamentais para que
a CBF, de forma tardia, criasse naquele ano uma competição nacional mais
estruturada na qual ela assumiria a organização, nascendo assim a Copa do
Brasil Feminina.
Após o São José representar
o estado na primeira edição, o Novo Mundo estreou na Copa do Brasil em 2008,
eliminando o Juventude na primeira fase, mas caindo para as catarinenses do
Kindermann. Aquela experiência foi mais uma etapa do percurso, preparando o
caminho para o que seria a temporada marcante de 2009.
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FOTO: Antonio Costa / Gazeta do Povo |
Dificuldades
na preparação e duelo histórico contra Santos
Se em âmbito nacional havia
um avanço, mesmo que a passos lentos, no estado do Paraná houve um baque para o
desenvolvimento da categoria, já que em 2009 o Campeonato Paranaense não foi
disputado, com a Federação Paranaense de Futebol alegando número insuficiente
de inscritos (a época a quantidade mínima era de três clubes). Isso acabou influenciando na
preparação do Alvirrubro para a Copa do Brasil daquele ano, junto com outros
fatores. “A falta de calendário no estado sempre foi um problema, tínhamos grandes
times no passado, mas isso se perdeu em certos momentos. Além disso, nunca
tivemos grandes patrocínios aqui em Curitiba, o que atrapalhou muito já que
quase todas as jogadoras tinham outros empregos e só dava para treinar de duas
a três vezes por semana”, analisa a zagueira e capitã daquele time, Marina
Toscano.
Mesmo assim o Novo Mundo fez
partidas contundentes nas duas primeiras fases, eliminando o Pelotas após duas
goleadas e passando pelo Atlético Mineiro, vencendo tanto em Curitiba quanto em
Minas Gerais. Como já havia um chaveamento pré-definido, após o apito final em
terras mineiras as mulheres alvirrubras já sabiam quem esperar na próxima fase:
As Sereias da Vila. Naquela temporada, o Santos contava
com atletas do quilate de Cristiane, Aline Pellegrino, Érika e Maurine, além de
ter como camisa 10 simplesmente a Rainha Marta. “Claro que cada partida é
imprevisível, mas nós não tínhamos condições estruturais, físicas, técnicas e
mentais para bater de frente com o Santos, logo o favoritismo delas era natural”,
afirma Marina.
Se por um lado enfrentar um
time com esse peso poderia ser um risco maior de eliminação, por outro era uma
grande oportunidade de mobilizar a cidade em torno do futebol feminino. Sabendo
disso, o jogo foi levado para o Couto Pereira, um estádio tradicional e com boa
capacidade. Inicialmente foram liberados
oito mil ingressos, mas o interesse do público foi tamanho que a Polícia
Militar teve de liberar mais lugares. “O jogo contra o Santos no Couto Pereira
foi de grande importância para o clube como vitrine. Rapidamente os ingressos
se esgotaram e, em acordo com a PM, os portões foram abertos ao público.
Acredito que mais de 15 mil pessoas foram prestigiar a partida”, recorda Mazza.
Público reunido, imprensa
nas cabines, equipes perfiladas... o cenário montado para que o auge
acontecesse. O resultado não foi positivo, com o Alvinegro Praiano vencendo por
4 a 0 e eliminando o Novo Mundo na sequência. Mas o fato do Alvirrubro
representar o estado do Paraná diante de tantos holofotes, com as jogadoras
tendo por 90 minutos a chance de experimentar o que jogadores homens vivem com
uma frequência bem maior foi histórico, mesmo que o ideal seria que isso acontecesse
numa proporção mais igual. Isso impactou o lado mandante...
“A equipe ficou nacionalmente conhecida, o que aumentou o número de meninas
interessadas em participar das categorias de base. Além disso, jogar no Couto
Pereira foi uma novidade, e foi muito bacana a expressão do público nas semanas
que antecederam o jogo e na partida”, conta Marina.
E também o visitante, mesmo
que com uma experiência maior. “Com certeza foi um dos jogos que mais marcou minha
carreira, por todo o clima que se criou durante a partida. O diferencial foi
por ser em um grande estádio do futebol Brasileiro, com um público que foi lá
para ver um espetáculo”, relembra Aline Pellegrino, que na época era zagueira
do time santista.
Foi uma noite mágica. Mas,
como eu disse no começo, o auge tem duas faces. Se o caminho do Novo Mundo foi
preparado para viver momentos como o duelo contra o Santos, dali em diante as
coisas não caminharam tão bem para a equipe da capital.
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FOTO: Albari Rosa / Gazeta do Povo |
Declínio
e encerramento das atividades
Por pouco a história da
categoria feminina do Novo Mundo não foi encerrada de maneira mais precoce do
que ocorreu. Isso porque, na temporada 2010, o clube ameaçou o afastamento das
atividades. “No ano seguinte a Copa do Brasil de 2009, tivemos dificuldades em
manter a equipe, pois as atletas queriam ganhar salários em função da grande
projeção alcançada. Naquele momento, isso era impossível para o clube”, explica
Mazza.
No Paranaense daquela temporada,
o Novo Mundo esteve presente, mas ficou na terceira colocação, não alcançando
uma vaga para a competição nacional. “Saber que o Novo Mundo poderia fechar as
portas para o futebol feminino naquele momento abalou todo o elenco e toda uma
representatividade do clube a nível Brasil. Felizmente o trabalho continuou,
graças a um ato heroico do Mazza, que muitas vezes apoiava a categoria sozinho”,
aponta Marina.
O time prosseguiu na
caminhada, mas o protagonismo nos campeonatos estava do outro lado do estado.
Com forte investimento na categoria, o Foz Cataratas não deu chance para as
adversárias locais, vencendo todas as edições do Paranaense disputadas de 2010
pra cá. O Alvirrubro só conseguiu
voltar a Copa do Brasil em 2013, quando o estado ganhou mais uma vaga e o time
a conquistou com o vice-campeonato regional de 2012. Para tentar retomar a
trilha das vitórias, a diretoria conseguiu investimento e montou um elenco de
peso, trazendo nomes que passaram pela Seleção Brasileira como Simone Jatobá, Renata
Costa e Aline Pellegrino. “Minha chegada ao Novo Mundo foi muito pontual porque
eu já sabia que iria encerrar minha carreira após a Copa do Brasil. A estrutura
estava sendo construída durante a nossa preparação para a estreia, e todas as
atletas eram remuneradas” afirma Aline.
A tabela não foi muito
amiga, já que logo de cara o time iria encarar o Centro Olímpico, equipe
tradicional do estado de São Paulo que tinha no elenco jogadoras como Debinha,
Maurine e Andressa Alves. “O nosso objetivo era disputar o título, tínhamos grandes
atletas no elenco, mas tivemos como adversárias o centro olímpico, que na época
era a base da seleção brasileira. Foram dois jogos bem disputados”, recorda o
treinador da época, Leandro Chibior.
Em início de carreira, o
técnico migrou da categoria masculina, onde conquistou o título da Série B da
Suburbana em 2011, para a feminina. “Não pensei duas vezes para fazer a troca, pois
o Novo Mundo era um clube profissional no feminino. Foi uma experiência
excelente”, afirma Chibior.
FOTO: Reprodução / Portal Eu Curto Futebol Feminino |
Essa experiência acabou
terminando de forma precoce. Mesmo fazendo duelos equilibrados, o Alvirrubro
acabou eliminado da Copa do Brasil com duas derrotas para as paulistas. “A
disputa de 2013 foi mais para tentar manter as atividades, pois os pedidos eram
muitos para o clube continuar. Infelizmente não deu mais”, explica Mazza.
Com a perca da hegemonia no
estado e sem receitas de uma eventual boa campanha na Copa do Brasil, a
diretoria do Novo Mundo resolveu encerrar as categorias femininas, adulta e
base. Sem novas histórias, o Alvirrubro foi virando refém do passado, como
outras equipes que marcaram o futebol feminino brasileiro, casos das cariocas
do Radar, das paulistas do SAAD e outros exemplos do estado como União Ahú e
Fanny. “Infelizmente muitos clubes que já tiveram equipes femininas não deram
sequência, mas com certeza todos têm sua importância no passado recente.
Poderiam ter também nesse momento de crescimento e desenvolvimento da categoria
no Brasil e no mundo”, completa Aline.
Uma porta importante que foi
fechada para a formação de novas atletas e elencos. “É uma pena ter encerrado,
pois o Novo Mundo sempre foi forte, não só no Paraná mas no Brasil, foi um
clube que revelou bastante atletas”, fecha Chibior.
Para aquelas que tem uma
história com o Alvirrubro, fica uma esperança de dias melhores. “Eu tenho um
carinho muito grande pelo Novo Mundo e fico muito triste por não ter um jogo de
futebol feminino no estádio. Sou grata por ter uma história no clube, mas
gostaria que isso acontecesse com outras atletas no presente também. Fico na
expectativa para que um dia as atividades voltem com força no Novo Mundo e em
outras equipes do Paraná”, conclui Marina.
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Time de 2012 em que disputou amistoso com a Seleção do Chile. FOTO: Elite do amador |
Mas a volta não é tão
simples assim. “A importância do trabalho no Novo Mundo foi de ter mantido uma
sequência e conquistado muitos títulos no feminino. Mas só voltaremos a
praticar o mesmo se houver seriedade e incentivo para as meninas, se isso não
acontecer a politicagem irá ganhar novamente” arremata Mazza.
A história foi feita e o momento é de inércia. Mas, como diria o poeta Cazuza, “Se você achar que estou derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados”. O tempo não para, e o auge pode estar do outro lado da moeda.
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