O futebol feminino em Curitiba
As primeiras evidências do futebol
masculino no estado do Paraná datam o início do século XX. Talvez por falta de
registros ou por conta da lei que proibia as mulheres de jogarem futebol – que
só foi revogada no fim da década de 70 – a história do esporte para a classe
feminina ainda não passou do prefácio.
#ESPECIAL
Por Bia Lima
O INÍCIO - De acordo com registros da Federação Paranaense de
Futebol (FPF), a primeira partida de futebol disputada no estado ocorreu em 31
de dezembro de 1905, na capital. Não há datas específicas sobre as primeiras
disputas femininas no estado do Paraná, porém, tem-se o ano de 1913 como marco
inicial da prática do esporte pelas brasileiras, que se organizavam apenas em
amistosos e jogos beneficentes pelo país.
Com o passar do tempo, a popularidade
do futebol aumentava entre as mulheres, o que acabou causando desconforto entre
a sociedade conservadora da época. De acordo com os incomodados, esportes
agressivos como o futebol afetavam a fisiologia feminina, prejudicando sua
capacidade de gerar uma criança. Após a declaração de apoio às reclamações
populares por parte da Subdivisão de Medicina Especializada, a discriminação
concretizou-se com o Decreto-Lei 3.199, de 1941, do Conselho Nacional de
Desportos (CND) que dizia:
"Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o CND baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país".
Apesar de não ter impedido que as
mulheres continuassem a jogar futebol às escondidas, a lei ocultou boa parte do
início da história construída pelas brasileiras, já que as federações não
podiam registrar as partidas. A decisão foi revogada em 1979, porém, a demora refreou
o avanço da categoria feminina do esporte, que ainda caminha em passos lentos.
EM CURITIBA - O futebol feminino de Curitiba também não possui
registros exatos da data de seu início. Em raras notas feitas por jornais da
cidade, há menção de partidas de futebol feminino no início dos anos 80, na
Vila Inah, no bairro do Santa Quitéria e no bairro do Boa Vista. Nessa época
também se tornou popular entre as mulheres a disputa dos “peladões” em canchas
de areia, em torneios realizados pela imprensa, como a Tribuna do Paraná.
Leandro Chibior – que treinou as
jogadoras do Novo Mundo em 2013 – diz que sua primeira lembrança é do ano de
1996. “Nessa época, minha esposa jogava no São Carlos de Santa Felicidade e eu
sempre ia assistir aos jogos dela. Naquela época, [o futebol feminino] era bem
pouco difundido”, relata.
Rosangela Bortolaz, atual técnica da
equipe feminina do Imperial Futebol Clube, tem uma recordação ainda mais
recente. “Minha primeira lembrança é de quando assisti ao jogo de Santos e Novo
Mundo, no Couto Pereira. Isso foi um marco no futebol feminino paranaense”,
relembra.
A fatídica partida – jogo de ida das
quartas de final da Copa do Brasil feminina – ocorreu em 12 de novembro de
2009. Apesar de ter sido derrotado no Couto Pereira e, depois, eliminado no
jogo de volta, na Vila Belmiro, esse momento do Novo Mundo marcou o auge do
futebol feminino em Curitiba. Cerca de 8 mil pessoas foram ao estádio assistir
à partida contra o Santos, que teve Marta e Cristiane em campo, e acabou com o
título de campeão do certame. “A época do Novo Mundo era a época mais
forte do futebol feminino [no Paraná]. Também tinha o Vila Fanny, o Foz
Cataratas, o Combate Barreirinha, Colombo, Iguaçu... Hoje acabou por falta de
incentivo, por pessoas trabalharem pela modalidade e não terem nenhum
retorno... Em nada”, desabafa Rosangela.
Quem também teve a oportunidade de
viver isso de perto foi o treinador Carlos Magrão, que em entrevista ao Do Rico
ao Pobre em novembro do ano passado, opinou sobre a falta de incentivo à
modalidade. "Nosso futebol feminino não tem incentivo algum da federação.
Como um clube formador vai investir ou disputar um campeonato paranaense, que
dura um mês, dois meses? Vai investir um monte e nem sabe se tem segundo turno,
ou não tem. Aí vem um Foz do Iguaçu com apoio da Caixa Econômica, da Itaipu...
e fica difícil. Eu acho que tinha que ter um torneio regional em Curitiba.
Fazer um trabalho de base, do sub-15 até o sub-20. O Paraná está muito longe de
ter competitividade no futebol feminino”.
A IMPRENSA - No acervo do Diário de Notícias Esportivo, jornal
carioca, é possível encontrar algumas poucas notas divulgando partidas
femininas na década de 40. Porém, conforme cresciam na população as
manifestações contrárias à prática, o jornal tratou de mudar de opinião. Em 1941, antes ainda da criação do
decreto de proibição, as críticas tornaram-se mais acaloradas:
Após a criação do Decreto-Lei que
proibia a prática, o jornal citou pouquíssimas vezes o futebol feminino e,
quando o citava, tirava sarro ou falava de equipes de outros países.
Apesar de a imprensa atual não tratar
mais o futebol feminino com tal desdém, pouco se vê sobre o assunto nos grandes
veículos. Em relação ao que tinha-se na imprensa dos anos 90, Chibior afirma
que pouco mudou. “É claro que hoje podemos assistir a vários jogos do
Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil pela TV, mas o futebol feminino ainda
não tem o valor que deveria ter”, lamenta.

CAMPEONATO PARANAENSE - Em 1998, disputou-se o primeiro Campeonato
Paranaense Feminino, com mais de 80 anos de atraso em relação à primeira
partida do mesmo certame, na categoria masculina. Apesar de 2018 marcar os
vinte anos de criação da ordem feminina do campeonato, não foram vinte
disputas. Em 2009, em 2015 e em 2016, a FPF anunciou o cancelamento das
competições, alegando número insuficiente de inscrições, cujo mínimo é de três
equipes.
Dos 18 certames realizados, seis
títulos pertencem a equipes de Curitiba: quatro do Novo Mundo e dois do União
Ahú. De lá para cá, no entanto, os dois times – que desde os primórdios do
campeonato estiveram entre os mais fortes – não conseguiram superar o novato
Foz Cataratas, criado em 2010 e, desde então, detentor de todos os seis títulos
disputados. Segundo Chibior, o
Foz destaca-se por ser a única equipe que conseguiu receber apoio
significativo. “Eles conseguiram um parceiro forte, a empresa Itaipu, e agora
com a parceria do Coritiba também aumentou o investimento”, afirma.
A FPF agendou para a próxima quinta-feira (26) o
arbitral das Copas Sub-14 e Sub-16 de 2018. As inscrições das equipes terminam
nesta sexta-feira (20).
EXIGÊNCIAS - De acordo com as exigências – anunciadas em janeiro
de 2017 – do programa de licenciamento criado por Fifa, CBF e Conmebol, os
clubes brasileiros têm até 2019 para ter equipes femininas disputando
campeonatos nacionais. Os que não atenderem às exigências até a data prevista,
não poderão disputar a Libertadores.
Dos três maiores clubes de Curitiba –
Atlético Paranaense, Coritiba e Paraná Clube – apenas o alviverde já cumpre as
exigências, mesmo que de forma indireta. O Foz Cataratas ganhou “Coritiba” como
sobrenome em 2016, quando foi “adotado” pelo clube da capital.
O tricolor e o rubro-negro ainda não
possuem equipe feminina que os represente. À parte dos grandes clubes curitibanos,
Leandro Chibior ressalta o trabalho feito no Imperial Futebol Clube. “A
Rosangela está tentando fortalecer a categoria. Admiro muito a vontade e o
esforço dela para poder colocar o Imperial como uma referência, pois o futebol
feminino é uma categoria que muita gente discrimina ainda. A dificuldade de
arranjar parceiros é muito grande”, diz.
Apesar dos esforços de Rosangela
Bortolaz, ela diz que ainda falta muito para que o futebol feminino alcance um
lugar de destaque em Curitiba. “O que falta são presidentes como o Jorge
Choinski [presidente do Imperial], que abraçou a causa, dá muito incentivo ao
futebol feminino e acredita em nosso projeto. Além disso, em cada clube tem que
ter alguém responsável somente pela modalidade feminina, que faça ações para
treinos e chame meninas para compor um elenco”.
“Falta também a Federação fazer mais
campeonatos, assim incentivaria as meninas a virem cada vez mais ao campo de
futebol, pois existem muitos talentos perdidos por aí. Meninas para montar uns
10 times, tem! O que falta é boa vontade das partes em abrir as portas... Não
custa muito, apenas a boa vontade”, declara Rosangela.
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